Movimento antivacina: origem, comportamento e percepção pública nas redes sociais
Saiba como a infodemia vacinal se fortaleceu nas redes sociais
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A vacina é, sem dúvidas, uma das maiores conquistas já realizadas pela humanidade.¹ Do mesmo jeito que a sua descoberta é antiga, o medo e a hesitação quanto a ela também não são fenômenos nada recentes. A primeira rejeição à vacina nasceu junto com ela, quando Edward Jenner enfrentou críticas ferozes por apresentar à Royal Society de Londres sua proposta de proteção à varíola.² Séculos depois, o movimento antivacina ganhou nova força, através das redes sociais, sendo alimentado por algoritmos, desinformação e resistência.¹

Entre questionamentos sobre a eficácia de um corpo estranho criado a partir de um patógeno em laboratório¹ e narrativas apelativas, até quando vamos desconfiar da ciência que já salvou milhões de vidas?

O maior inimigo da vacina não é o vírus, é a mentira

A comunidade antivacina nas redes sociais é munida por uma combinação de desconfiança institucional, teorias da conspiração e apelos emocionais.

Os argumentos mais comuns entre os antivacinistas são:³

  • Alegações de que vacinas causam efeitos adversos graves, como autismo, apesar de evidências científicas contrárias;
  • Desconfiança em relação a governos e indústrias farmacêuticas;
  • Crenças de que há interesses ocultos por trás das campanhas de vacinação;​
  • Argumentos de que a vacinação obrigatória viola direitos pessoais. 

Além disso, pessoas antivacina tendem a utilizar uma linguagem emocional com forte apelo em suas publicações, representando 25% do conteúdo publicado sobre o assunto, em contraste com apenas 0,3% dos conteúdos pró-vacina. Essas narrativas muitas vezes exploram medos e preocupações pessoais, sendo altamente persuasivos para pessoas mais vulneráveis.³

A infodemia ampliada por líderes políticos

Se o conteúdo orgânico dos antivacinistas por si só já são suficientes para dificultar o engajamento das pessoas na vacinação, figuras públicas relevantes contribuindo na amplificação dessas notícias podem ter efeitos críticos na prevenção de doenças através da vacinação. 

O presidente Donald Trump, nos EUA, usou suas redes para questionar vacinas, reforçar curas não comprovadas e relativizar a pandemia.³ No Brasil, Jair Bolsonaro protagonizou diversas declarações públicas que se tornaram ícones da infodemia brasileira sobre supostos efeitos negativos causados pela vacina da Covid-19.

Para os veículos de comunicação, publicar conteúdos antivacina é pauta lucrativa

Segundo o Center for Countering Digital Hate (CCDH), esse tipo de conteúdo radical e polarizador é lucrativo. Plataformas digitais monetizam com esse tipo de engajamento, gerando cliques, polêmica e tráfego, o terreno ideal para o vírus da desinformação, que se espalha 70% mais rápido que conteúdos verdadeiros.⁴ᐟ⁵ᐟ⁶

Segundo o Center for Countering Digital Hate (CCDH), esse tipo de conteúdo radical e polarizador é lucrativo. Plataformas digitais monetizam com esse tipo de engajamento, gerando cliques, polêmica e tráfego, o terreno ideal para o vírus da desinformação, que se espalha 70% mais rápido que conteúdos verdadeiros.⁴ᐟ⁵ᐟ⁶

“Se tá na internet, então é verdade…”

Redes sociais como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter (X) desempenham papel central na propagação da desinformação sobre vacinas. Isso porque os seus algoritmos priorizam conteúdos que geram mais engajamento.

Um estudo do MIT, publicado na Science, analisou mais de 126 mil tweets em 2018 e revelou que categorias como política e ciência podem se espalhar 6x vezes mais rápido em relação a outras pautas.

Além disso, temos o isolamento imunológico através das bolhas, em que os algoritmos dessas plataformas reforçam as crenças pré-existentes dos usuários, isolando-os de fontes confiáveis e ampliando a confiança em conteúdos distorcidos ou conspiratórios.

A pandemia de COVID-19 como catalisador

O ano era 2021 e tínhamos uma vacina contra o coronavírus, doença que se espalhou pelo mundo um ano antes. Dessa vez, o fato de a ciência ter desenvolvido a prevenção da doença tão rápido se tornou o cenário ideal para o movimento antivacina, repleto de teorias conspiratórias, negacionismo científico e narrativas polarizadoras nas redes sociais. O medo coletivo, a urgência da vacinação e a complexidade das novas tecnologias, como a do RNA mensageiro, criaram um ambiente fértil para dúvidas e desinformações.¹

Nessas narrativas, a vacina passou a ser apresentada como parte de um suposto plano conspiratório internacional e, ao invés de símbolo de proteção coletiva, passou a representar desconfiança, controle e manipulação.¹​

A politização da vacina criou uma divisão na percepção pública: para muitos, vacinar-se deixou de ser uma atitude de saúde pública e passou a ser um ato ideológico. Isso teve efeitos duradouros: um estudo aponta que a desconfiança gerada em torno da vacina da COVID-19 tende a afetar também futuras campanhas vacinais, inclusive entre crianças, jovens e profissionais da saúde​.¹​

Dessa forma, a pandemia não só revelou a fragilidade das instituições frente à desinformação em massa, como também inaugurou uma nova fase do movimento antivacina, mais politizado, digitalizado e estruturado em estratégias narrativas que colocam a ciência sob constante suspeita.

E como está a situação fora das telas?

A hesitação vacinal, termo definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “atraso na aceitação ou recusa de vacinas, apesar da disponibilidade de serviços de vacinação, tem gerado queda significativa nas coberturas de imunização. No Brasil, a taxa de vacinação infantil caiu de 97% em 2015 para 75% em 2020, especialmente para as vacinas BCG, Hepatite A e Tríplice Viral​.

Um levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria aponta que 74% dos pediatras relataram encontrar pais que adiam ou se recusam a vacinar seus filhos por medo de reações adversas ou por influência de fake news​.

O informe técnico do Ministério da Saúde apontou que a pandemia de COVID-19 agravou esse cenário: entre janeiro e agosto de 2020, observou-se uma queda abrupta nas aplicações mensais de vacinas infantis, com destaque para os meses de maior isolamento social. Isso gerou um acúmulo de crianças com esquemas vacinais incompletos, elevando significativamente o risco de reintrodução de doenças como:¹⁰

  • Poliomielite, em 2023 e 2024, a cobertura vacinal contra a poliomielite atingiu 89,61% e 87,03%, respectivamente;¹¹
  • Coqueluche, que aumentou 53,5% de 2022 para 2023;¹²
  • Meningite meningocócica C, com cobertura próxima de 72%;¹³
  • Sarampo, onde a cobertura da primeira dose caiu em 2020 e apenas 70% das crianças receberam a segunda dose.¹⁴

Importante lembrar!

A recusa vacinal não é uma simples escolha individual: ela compromete a imunidade coletiva. Quando a cobertura vacinal fica abaixo de 90-95%, o risco de surtos aumenta exponencialmente, colocando em perigo também quem não pode se vacinar por motivos médicos.¹⁵

Mas afinal, o que realmente sabemos sobre vacinas?

A compreensão pública sobre vacinas não é homogênea. Pessoas com conhecimento inadequado tendem a buscar ativamente informações sobre vacinas, mas se expõem mais facilmente a conteúdos desinformativos e são menos propensas a reconhecer fontes confiáveis​. Identificar esses perfis é essencial para estratégias de comunicação mais assertivas e empáticas em campanhas de imunização​.

Segundo a Revista Brasileira de Epidemiologia, a queda na cobertura vacinal no Brasil não pode ser explicada por um único fator, mas sim por uma combinação deles, tais como:⁸

  • Falta de conhecimento sobre a gravidade da situação de saúde pública;
  • Dificuldades de acesso e questões estruturais nos serviços de saúde;
  • E, principalmente, a circulação de notícias falsas que prejudicam a confiança nos imunizantes​.

A educação em saúde, quando estruturada de forma empática e baseada em evidências, é fundamental para reverter quadros de hesitação vacinal, reconstruindo a confiança da população e fornecendo ferramentas para a tomada de decisões conscientes​.¹⁶

Compreender essas diferenças de percepção permite segmentar campanhas de comunicação e adotar abordagens mais eficazes para públicos que demonstram rejeição parcial ou total às vacinas​.

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Literacia em saúde: o antígeno da vacina contra a infodemia

Apesar do cenário preocupante, existem caminhos para combater a desinformação e a hesitação vacinal. Um dos pilares é o fortalecimento da alfabetização científica, que capacita a população a avaliar criticamente o conteúdo que consome e a confiar em fontes verificadas.¹⁷

Campanhas de vacinação que combinam dados técnicos com narrativas emocionais, têm se mostrado mais eficazes do que peças exclusivamente institucionais​, como:¹⁷

  • Histórias reais;
  • Linguagem acessível;
  • Personagens identificáveis.

Além disso, é essencial que os profissionais de saúde sejam protagonistas no enfrentamento à desinformação, atuando como fontes confiáveis e acessíveis, com escuta ativa e comunicação clara, inclusive nas redes sociais​. Iniciativas colaborativas entre governos, instituições científicas e plataformas digitais também são fundamentais para identificar, desmentir e remover conteúdos falsos rapidamente, sem comprometer a liberdade de expressão, mas protegendo o direito coletivo à informação verdadeira​.¹⁸

Na Ybrida, nos imunizamos com vacina e comunicação

O movimento antivacina não é um problema isolado: é um sintoma de um colapso maior na relação entre ciência, sociedade e comunicação. E, por isso, o enfrentamento precisa ser coletivo, estratégico e sensível.

Mais do que uma ferramenta para levar informação às pessoas, a comunicação é uma tecnologia poderosa capaz de transformar tudo em algo acessível, humano, democrático e gerar a mudança real nas pessoas.

Entendemos que nosso papel vai além da produção de conteúdo: é também o de construir confiança, traduzir ciência e humanizar dados. Estamos na interseção entre informação técnica e empatia, e é nesse espaço que conseguimos atuar de forma estratégica.

Por meio de campanhas educativas, conteúdos institucionais e materiais promocionais voltados tanto ao público médico quanto ao público leigo, buscamos fortalecer a confiança na ciência e no poder das vacinas.

Sabemos que cada peça criada, cada texto escrito e cada storytelling desenvolvido é, em si, uma pequena ação contra o negacionismo e a desinformação. Como comunicadores em saúde, temos uma grande responsabilidade de contribuir para um ecossistema de informação mais justo, verdadeiro e acessível.

Porque enquanto houver dúvidas, deve haver vozes que escolham compartilhar conhecimento. E, porque comunicar também é uma forma de imunização.

 

Referências bibliográficas:

  1. OLIVEIRA, I. S. DE et al. Anti-vaccination movements in the world and in Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 55, 2022.

     

  2. ORTIZ-SÁNCHEZ, E. et al. Analysis of the Anti-Vaccine Movement in Social Networks: A Systematic Review. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 17, n. 15, p. 5394, 27 jul. 2020.

     

  3. GERMANI, F.; BILLER-ANDORNO, N. The anti-vaccination infodemic on social media: A behavioral analysis. PLOS ONE, v. 16, n. 3, 3 mar. 2021.

     

  4. LEAL, A. R. B. R.; MOURA, R. L.; GALHARDI, C. P. Negationism and anti-vaccine misinformation by Jair Bolsonaro. 17 jan. 2024.

     

  5. SOARES BEZERRA, J.; MAGNO, M. E. DA S. P.; MAIA, C. T. Desinformação, antivacina e políticas de morte: o mito de virar jacaré. Periódicos UFF, v. 15, n. 3, set. 21DC.

     

  6. DIZIKES, P. Study: On Twitter, false news travels faster than true stories. Disponível em: <https://news.mit.edu/2018/study-twitter-false-news-travels-faster-true-stories-0308>.Acesso em: 21 abr 2025.

     

  7. BURKI, T. Vaccine misinformation and social media. The Lancet Digital Health, v. 1, n. 6, p. e258–e259, out. 2019.

     

  8. MOREIRA, C. M. et al. Análise do impacto das intervenções em saúde sobre a cobertura vacinal para crianças menores de dois anos em municípios de Minas Gerais. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 27, 2024.

     

  9. REDAÇÃO SBP. Fake news sobre vacinas disseminam temor entre as famílias, revela pesquisa realizada com pediatras brasileiros. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/fake-news-sobre-vacinas-disseminam-temor-entre-as-familias-revela-pesquisa-realizada-com-pediatras-brasileiros/>. Acesso em: 23 abr. 2025.

     

  10. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Estratégia de recuperação do esquema de vacinação atrasado de crianças menores de 5 anos de idade. 2020. Disponível em: <https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/informe-tecnico-recuperacao-esquema-vacinacao-atrasado.pdf>. Acesso em: 23 abr 2025.

     

  11. Brasil sedia simulado de resposta rápida para detecção de poliovírus. Ministério da Saúde. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/abril/brasil-sedia-simulado-de-resposta-rapida-para-deteccao-de-poliovirus>. Acesso em: 10 maio 2025.

     

  12. Situação Epidemiológica. Ministério da Saúde. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/coqueluche/situacao-epidemiologica>.

     

  13. DA SILVA, Tifane Alves; CELESTINO, Júlia Hollanda; ROCHA, Flávia Caminha; et al. O IMPACTO DA COBERTURA VACINAL CONTRA A MENINGITE MENINGOCÓCICA C SOBRE O NÚMERO DE CASOS DE MENINGITE C NO BRASIL ENTRE 2008 E 2022. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 27, 2023. Disponível em: <https://www.bjid.org.br/en-o-impacto-da-cobertura-vacinal-articulo-S1413867023003616>. Acesso em: 9 maio 2025.

     

  14. Progresso global contra sarampo fica ameaçado em meio à pandemia de COVID-19 – OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde. www.paho.org. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/noticias/10-11-2021-progresso-global-contra-sarampo-fica-ameacado-em-meio-pandemia-covid-19>. Acesso em: 9 maio 2025.

     

  15. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de Imunizações 30 anos. 2023. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro_30_anos_pni.pdf. Acesso em: 23 abr 2025.

     

  16. Educação em saúde: a importância de aprender sobre vacinação. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-com-ciencia/noticias/2023/novembro/educacao-em-saude-a-importancia-de-aprender-sobre-vacinacao>.Acesso em: 07 mai 2025.

     

  17. GERALDO, S.; DE, C.; MARINA. A alfabetização científica como instrumento de combate à desinformação: investigando uma sequência de ensino sobre vacinas e fake news. Experiências em Ensino de Ciências, v. 19, n. 1, p. 20–36, 2024. Disponível em: https://fisica.ufmt.br/eenciojs/index.php/eenci/article/view/1247. Acesso em 07 mai 2025.

     

  18. ROCHA, Cristina Maria Vieira da. Comunicação social e vacinação. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 10, p. 795–806, 2003. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/hcsm/a/5CpdMNKKg5nkq4PWDQN9znP/?lang=pt>. Acesso em: 07 mai 2025.

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